Para começar, não sei se está correta a expressão ‘velhinho’. Talvez não seja politicamente correta, o certo seria ‘senhor idoso’. Para mim, porém, a expressão que usei parece mais carinhosa, menos formal. Essa história de politicamente correto é uma das besteiras que inventaram ultimamente, para mascarar a falta de respeito que grassa em alguns setores, que nada tem a ver com as palavras. Eu, por exemplo, sou um velhinho cego ou um cego velhinho, a gosto do freguês, e não faço questão de ser chamado de senhor idoso portador de deficiência visual.
Mas se o citado cavalheiro vier a ler esta coluna e não gostar da expressão, peço que me perdoe. A intenção não é ofendê-lo, mas exaltá-lo.
O caso é o seguinte: tomei o ônibus do meu bairro para o Centro numa manhã, não na hora do rush. Estava lotado como sempre, desde que a cidade caiu no conto do bilhete único. Aliás, estava mais lotado, não havia lugar nem nos bancos destinados a pessoas idosas, gestantes ou deficientes. Também não havia lugar atrás. Acomodei-me, como pude, segurando no ferro que fica atrás do banco do motorista. No primeiro banco estavam dois velhos (ou dois senhores idosos) a conversar. Eu agarrado, sujeito aos solavancos, distraía-me ouvindo a conversa. De repente o senhor que estava no lugar do corredor levantou-se, dizendo que ia descer logo, e eu me sentei. Mas pude ver que ele não desceu no próximo ponto, nem nos seguintes. Ficou em pé, até a entrada no Centro.
Fiquei constrangido, e pensei em levantar e devolver o lugar ao dono, pois ele chegara antes de mim. Mas temi que ficasse ruim, que parecesse desfeita. Essas situações são sempre embaraçosas. O cidadão parecia ser mais idoso do que eu, embora aparentasse muita disposição.
Talvez a diferença fosse a minha bengala, que denunciava minha condição de deficiente visual (ou cego). Mas embora eu não esteja em excelente condição física, o problema é na vista, não nas pernas.
Agora fico a pensar. Qual a razão do meu constrangimento? Afinal, ele cedeu-me lugar porque quis, eu não pedi. Gostaria de escrever que o que me preocupava era a sensação de ter usufruído de um favor de que não necessitava nem merecia. Mas também pode ser por orgulho, esse sentimento besta que a gente às vezes tem, e que nos impede de reconhecer a generosidade alheia. Apesar dos meus versos e da minha prosa, das minhas ideias e da minha vontade, não sou imune a esse mal.
Sou, afinal, uma pessoa normal, besta como todos os bípedes implumes deste planeta.
Publicado em 13/01/2012 na Folha Metropolitana (www.folhametro.com.br)
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