Eu e meu jovem amigo Wender Cardoso, o ‘Mãozinha’, resolvemos uma vez fazer um poema a quatro mãos. Seria um diálogo entre um velho e um jovem, e pretendíamos apresentá-lo teatralmente em um sarau, desses que realizávamos sempre na Biblioteca Monteiro Lobato e outros locais. Eu fazia o velho e ele o jovem, em uma discussão. Improvisávamos os versos enquanto caminhávamos pelas ruas de Bonsucesso, Ponte Alta e adjacências, e ele ia anotando-os em um caderno. Ele teve que ir embora para Minas, e não sei se levou o caderno ou se o perdeu. A obra não foi concluída, e creio que a literatura universal nada perdeu com isso.
O ‘Mãozinha’, como a maioria dos brasileiros, mesmo os escolarizados, não era muito bom em gramática, principalmente em tempo de verbos e concordância, e misturava a segunda com a terceira pessoa, entre o «tu» e o «você». Eu tentava corrigir, vertendo tudo para o «você» ou «o senhor», mas acabei concluindo que não dava certo. As coisas ficavam sem graça, forçadas, e resolvi deixar como estava.
Concluí que as regras gramaticais não são dogmas religiosos, e às vezes o errado fica mais bonito e verdadeiro.
Devemos reconhecer que temos o nosso próprio idioma, muito parecido com o Português, mas não idêntico. Talvez, pelo menos, um dialeto. Podíamos falar em dialetos regionais, mas os brasileiros de todas as regiões e os estrangeiros estão tão misturados que hoje nós, paulistas, falamos um pouco do italiano e um pouco do nordestino. Esse dialeto, nascido da palavra falada, não tem regras, o que o torna mais variado,rico e bonito.
Encontrei-me um dia destes com uma velha senhora portuguesa que pediu-me uma informação. Não entendi uma palavra do que ela disse. Nem tanto pelos termos usados, mas principalmente pelo sotaque e pela rapidez com que ela falava. Não sei se ela chegou recentemente da ‘santa terrinha’ ou se vive reclusa com a família e não tem prática em falar o ‘brasileiro’. Senti muito, mas devo ter parecido mal educado e não pude dar a informação pedida. Conheço outros lusitanos que falam mais pausadamente e consigo entender o que falam, embora em sua linguagem, por sinal belíssima. Conheço também alguns angolanos, e parece-me que eles falam exatamente como os portugueses. Será que só o brasileiro inventou seu próprio dialeto?
Acontece que a ‘língua brasileira’ é mutante. Palavras e expressões surgem e desaparecem. Algumas expressões, como ‘à beça’ e ‘caramba’, que são do tempo do Império ainda fazem parte do vocabulário familiar, outras palavras da gíria desapareceram e não deixaram sinal. Uma vez, conversando com alguns jovens eu usei a expressão ‘pra frentex’, que na minha adolescência (parece que foi ontem) significava ‘para frente’, ‘vanguarda’, e eles pensaram que eu estava falando algum idioma estrangeiro. A nossa língua é realmente ‘uma pândega’.
Publicado na Folha Metropolitana em 11/11/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário