Era verão, e eu estava gozando alguns dias de férias, com um amigo, na pequena e simpática cidade de Iguape. Por incrível que pareça, houve uma vez um verão, e este camelo que batuca estas mal datilografadas linhas, esteve em férias. Iguape é uma cidade do Vale do Ribeira, meio interiorana, meio litorânea, para se chegar à praia é preciso atravessar o rio e cortar a Ilha Comprida.
Fomos a uma sorveteria, cujo proprietário - por ser uma cidade onde o turismo ainda não conseguiu estragar - percebeu que éramos forasteiros. E havia tantos tipos e sabores de sorvete, que não sabíamos como escolher. Havia sorvete de queijo, de chiclete, de caramelo, e das mais variadas frutas. E das mais inacreditáveis misturas, tipo abacaxi com goiaba, caju com mel, o diabo. Alguns desses gelados tinham nomes pitorescos, e nós não sabíamos o que significavam.
Para ajudar a nossa escolha, o sorveteiro ia nos dando amostras. E contando histórias. "Esse sorvete eu fiz por engano, misturei coisas erradas, e ficou bom. Estava pensando na morte da bezerra, fiz besteira, mas valeu a pena. O duro foi lembrar, depois a fórmula usada por engano, para repeti-la. Mas ficou gostoso, prove". E nós provamos, e gostamos. Outro, ele tinha aprendido na Bahia, em um congresso de sorveteiros. Outro, ele tinha copiado de uma revista estrangeira. e, de amostra em amostra, fomos ficando gelados e de barriga cheia, sem conseguir optar por nenhum sabor. E, quando demos pela coisa, nem podíamos optar, pois mal conseguíamos suportar a palavra sorvete. Estávamos empanturrados. Assim mesmo, para não ficar chato, pedimos cada um seu sorvete, pagamos, e fomos embora.
Bem, o fato é que existem milhões de sorveteiros no mundo. Todos querem vender, fazer freguesia, e para isso procuram fazer o melhor. Mas nunca tínhamos conhecido alguém com tanto amor pela profissão. Um sorveteiro que fazia pesquisas, cursos, viajava para conhecer coisas novas do seu metier. Alguém capaz de escrever livros ou fazer palestras sobre essa coisa saborosa que a gente costuma chupar e engolir sem pensar muito.
O moral da história, é que esse passeio de férias, entre praias, pinga de banana, muito sorvete e muita cerveja, e "outras cositas más", foi instrutiva para mim. Comecei acreditar mais no futuro do mundo e do Brasil, coisa difícil de se acreditar. Afinal, existe, numa cidade pequena do Estado de São Paulo, quase divisa com o Paraná, no paupérrimo Vale do Ribeira, um sorveteiro que gosta e acredita no sorvete. Porque, infelizmente, existem médicos e donos de hospitais, professores e donos de escolas, jornalistas e donos de jornal, que simplesmente exercem suas funções para ganhar dinheiro, para sobreviver, sem qualquer indício de amor, sem qualquer tesão.
Publicado em 15 de maio de 1990 no Repórter da Cidade - Olho Vivo
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