sexta-feira, 16 de março de 2012

Entrevero de coronéis

Fim de feira no Sertão, a noite caindo·antes do tempo, os mascates desarrumando as barracas sob o calor escaldante, o forasteiro caminhando tranquilo pela movimentada Rua do Mercado pediu uma bicada na primeira esquina, uma segunda mais adiante e dali observou - com seus olhos de cão danado - a escassos metros de distância, o sono sereno e sossegado de sua própria e próxima vítima.
Estirado numa até então confortável espreguiçadeira o rico fazendeiro Zé Nobre descansava na calçada de sua pacata residência, os olhos fechados, as curtas pernas cruzadas, a mão direita apoiando a pequena cabeça repousada sobre improvisado travesseiro. Quem sabe, até sonhasse!... E mil razões tinha o coronel Zé Nobre para tantos sonhos: o filho único no melhor colégio da região, futuro doutor de anel no dedo e diploma na parede da sala de visitas, a bela fazenda cada vez mais próspera após a construção do Açude Novo, o gado farto de tanta pastagem, o preço do leite subindo, tudo de bom sorrindo para o rico fazendeiro, homem pacato dedidado à família e aos negócios. Minutos antes o coronel Zé Nobre saíra à calçada, fitando com seus olhos miúdos a gente que passava, escutando com dificuldade o relinchar de bestas e cavalos retornando ao campo sob o peso de seus donos e mochilas abarrotadas de farinha, carne seca, rapaduras e quinquilharias dais mas diversas.
Maria Mulungú aproximou-se, a trouxa de roupas na cabeça totalmente embranquecida pelo vendaval do tempo, o pigarrento cachimbo mil vezes triturado pela fértil imaginação pois dentes já não os tinha na boca sempre fedendo a cachaça.
- Boas tarde, coroné.
- Como vai, Maria. Bebeu muito hoje? - sorriu o fazendeiro zombando da velha lavadeira, vinda ninguém sabe de onde, há muitos, muitos anos.
- Num bebo não coroné... é tudo mentira dos moleque - justificou-se entre um arroto e outro.
- Esses moleques não prestam mesmo, né, Maria? - o coronel Zé Nobre gargalhava brincando com aquela preta retinta de quem todo mundo gostava.
- Dizê que a preta véia bebe cana - respondia com raiva, a baba espessa escorregando pelos cantos da boca banguela - é mentira dos muleque, coroné. Num bebo não, enfatizava ainda mais segurando o amarrotado cachimbo que parecia escorregar dos seus beiços.

Nenhum comentário: