Eu e a maioria dos jovens da minha geração, que nos considerávamos esclarecidos, éramos marxistas. Creio que a maioria de nós nunca teve saco para ler “O Capital”, mas empolgávamo-nos com o “Manifesto Comunista” e com a obra dos grandes escritores brasileiros e estrangeiros que, em prosa e versos, mostravam a miséria da desigualdade social e acenavam com a grande revolução que vinha da Rússia e já se espalhava pelo mundo.
Acreditávamos que, em breve, toda a humanidade seria comunista, e não haveria pobres nem ricos. Fingimos não acreditar nas mazelas daquele regime, ou achávamos que é um preço que a humanidade teria de pagar para viver uma era de paz e justiça.
O sonho acabou. O comunismo deu com os burros n'água e hoje só existe de forma caricatural. Mas o capitalismo vencedor assimilou todos os seus efeitos mais cruéis, como a perda dos direitos individuais e dos valores humanos e ditadura da produtividade. Para entender isso, não se precisa mais ler os escritores engajados que fizeram a nossa cabeça. Basta ouvir, todas as manhãs, o programa “Mundo Corporativo”, que Max Gehringer apresenta pela rádio CBN, atendendo consulta de jovens em busca de emprego, profissão e carreira. Geralmente, dá dicas de como se sair nas entrevistas.
Os entrevistadores dissecam a alma do candidato. Querem saber se têm namorado ou namorada e, no caso das mulheres, se têm ou se pretendem ter filhos. Perguntam se o cara tem religião, pratica esportes, como gasta suas horas vagas, quais são os sonhos mais secretos, se fumam, bebem, ou têm outros pequenos vícios e manias. Fazem questão também de boa aparência e desembaraço, uma maneira sutil de preconceito social e racial.
Para se conseguir uma boa colocação, não basta ter capacitação profissional, disposição para o trabalho e ser honesto. É obrigado a abdicar do menor traço da própria individualidade e se tornar uma peça da engrenagem. Quem não se enquadra vai engrossar a imensa legião de desempregados a ameaçar uma revolução sem quartel, sem ideologia e sem esperanças.
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