- Renato, você foi ingrato, me levou pro mato, me... – Flor Casta riu do versinho saca que aprendeu com a molecada. Não havia motivo para rir, mas ela aprendera que o riso é a única vingança contra os azares da vida. Ria quando seu pai, sem motivo, a espancava. Ria ao ouvir a mãe chorando num cantinho, sem coragem para tomar providência. Riu, cínica, quando ele a deflorou. Riu, nervosa, quando a mãe, num gesto inesperado de coragem, munida de um facão de cozinha, cortou a jugular do amante monstro. Riu, baixinho, quando a polícia a levou, e sorriu triste quando soube que ela suicidou no presídio feminino.
- Ah, Renato...!
Mas o que poderia fazer, chamar a polícia? Mas a polícia não se preocuparia com os problemas de uma mulher como ela. Além disso, nem sabia o nome do cara. Sabe, ele disse chamar-se Renato, mas poderia ser nome falso. Ela também dera o nome de Sônia. Tinha vergonha do nome que recebeu na pia bapismal.
- Vai ver que o filho da puta se chama Flor Casto – e riu novamente da própria piada.
Mas que era lindo, era. Com sua calça de jeans, a camiseta mais a exibir do que a esconder o tórax forte, e aquele sorriso divino. E falava bonito. Parecia um artista de novela. E se era bonito com a roupa, descascado então, vixe! No quarto, enquanto ele se despia, ela olhava extasiada.
E como fazia amor! Ela chegou a lembrar seus tempos de menina boba, quando sonhava com a lua-de-mel, pensou até ter encontrado o homem de sua vida. Após o orgasmo, enquanto se vestiam, chegou a sonhar com uma casinha branca, de janelas vermelhas, em um bairro bem longe dali.
De repente... Renato atirou-se sobre ela, jogou-a de volta à cama, e ela, assustada e sem saber o que estava acontecendo, sentiu um vulto perpassar, ouviu o barulho do criado-mudo sendo derrubado e as portas do quarto batendo. Quando teve coragem de abrir os olhos, notou que o crucifixo que encimava sua cama havia desaparecido. A gaveta do criado-mudo fora arrancada e nem sinal da bolsinha em que guardava as poucas economias, alguma bijuteria e o retrato da mãe.
- Ah, Renato...
No quarto, além da cama amarfanhada, do cheiro penetrante de esperma e perfume caro, mais nada.