Eu devia ter
uns sete ou oito anos quando meu pai me comprou um par de sapatos. Até então eu
só andava descalço durante o dia, brincando na chácara onde morávamos, trepando
em goiabeira e catando goiaba, cavando a terra com as mãos ou uma colher velha,
fazendo bonecos de barro. Ou catando esterco de vaca para meu pai adubar a sua
horta. À noite eu, meus irmãos e a prima que morava conosco lavávamos os pés no
tanque, com sabão, e calçávamos tamancos. Depois jantávamos e íamos dormir. Era
uma vida sossegada.
Quando
mostraram os sapatos novos eu queria calçá-los imediatamente. Minha mãe falou
que eu os estrearia quando fôssemos à casa da tia Wally. Era a nossa tia rica,
morava em São Paulo, na Aclimação. Era a irmã mais velha do meu pai, e pelo menos
uma vez por mês íamos visitá-la. Nós, crianças, gostávamos da comida dela, dos
doces que ela sempre tinha, e dos carros que víamos passar no trajeto. Eu
gostava também do seu banheiro, da descarga, do papel higiênico, que me parecia
o máximo de chic. A partir de então, a próxima visita seria também a
oportunidade de estrear meu primeiro par de sapatos.
Aquele mês parece que durou uns noventa dias. Mas felizmente
chegou o feliz dia, e todo contente calcei meus sapatos novos. A alegria durou
pouco. Meus pés, acostumados com a liberdade reclamaram, e doeram muito. O
alívio foi quando chegamos à casa dela e eu pude descalçar. À noite, na hora de
voltar, vim descalço. Minha tia não tinha um par de tamancos para emprestar.
Por que
estou me lembrando disso agora? É que tenho medo que a Copa do Mundo seja o par
de sapatos novos do menino Brasil A diferença é que parece que não estamos
esperando ela como a mesma ansiedade das copas anteriores. Ou com a mesma
ansiedade com que eu esperava o dia de visitar a minha tia.
Folha Metropolitana,
25/04/2014