domingo, 13 de março de 2011

Geremias Gemebundo

GEREMIAS GEMEBUNDO
Narrador - Geremias Gemebundo
veio peladinho ao mundo,
como todo mundo vem,
passageiro da barriga
da pobre mãe que se obriga
a transportar seu nenen.

Nasceu fazendo um berreiro
que acordava o mundo inteeiro
chorava de fazer eco,
mas isso só aconteceu
depois que ele recebeu
alguns tapas no podeco.

Geremias - Ai, ai, ai, minha bundinha,
como é triste a vida minha,
quanta implicância comigo!
Eu ainda sou inocente,
sou um projeto de gente,
não mereço esse castigo.

Marrador - Como se isso não bastasse,
por mais que o pobre chorasse,
sem pena do coitadinho,
como quem não quer mais nada
lhe deram uma picada
bem na planta do pezinho.

Geremias - Sou azarado de fato.
meu pezinho paga o pato
por causa de eu ter nascido.
Eu estava bem quietinho
naquele lugar quentinho,
não devia ter saído.

Pai - É machinho esse danado,
vai ser um cabra sarado,
moleque vivo e traquinas.
Vai ser muitomacho, vai,
vai ser igualzinho ao pai,
vai dar trabalho às meninas.

Geremias - Quanta paparicação,
o velho ficou bobão
Ai, como é besta essa cena,
Ainda não estou sabendo
o que ele está dizendo,
ai, ai, ai, não paga a pena.

Mãe - Como esse menino ewstrila,
isso me deixa tranquila,
demonstra boa vontade.
Parece dar o recado
que vai ser muito esforçado,
vai ser homem de verdade.

Geremias - Nem pense no meu futuro,
ainda vejo tudo escuro,
Sossega, minha mãezinha,
O meu almoço já tarda,
eu ainda não comí nada,
tá na hora da maminha.

Coro - - Eta moleque chorão,
não tem outra ocupação?

Pai - Bai mamando, seu moleque,
vai tomando esse pileque
enquanto o leite é de graça.
Nós dois vamos ser amigos,
você vai sair comigo
pra tomar muita cachaça.

Mãe - Cala a boca, seu palhaço,
já não sei mais o que faço
com tamanho destempero.
Esse menino eu preciso
que tenha muito juízo
pra ganhar muito dinheiro.

Geremias - Vê se param de brigar,
eu não posso nem mamar,
eu não posso nem dormir.
Eu estava acostumado
com o canto sossegado
de onde acabo de sair.

Narrador- Lá vão os três para a igreja
pois todo cristão deseja
ver o filho batizado.
A mãe com muita esperança
no futuro da criança,
o pai já meio mamado.

Padre - Te batizo, Geremias,
e a partir deste dia
serás um cristão honrado.
Pela bondade de Deus,
juntamente com os teus
te afastarás do pecado.

Geremias - Essa é a tal água benta?
Esse frio ninguém aguenta,
eta chuvinha danada.
Não me fale de pecado,
eu sou um pobre coitado,
que ainda não sabe nada.

Narrador - Após o ato religioso
num salão muito espaçoso
houve uma grande festança.
Muita gente reunida,
música, dança, bebida,
também muita comilança.

Geremias - Eu sou o dono da festa,
e para mim o que resta,
porque dela eu nem me orgulho?
Todos a se divertir,
mas eu preciso dormir,
parem com esse barulho.

Narrador - Antes que fujaa a memória
vou encurtar esta história
para não cansar ninguém.
Puchando pela cachola
ele agora está na escola
onde não vai muito bem.

Professora - Meus parabéns, Benedito,
seu trabalho está bomito,
o seu também, Zé Raimundo.
Cadê sua redação,
você não fez a lição,
Geremias Gemebundo?

Geremias - Um domingo ensolarado,
esse foi o tema dado
para a gente descrever.
Acho que não paga a pena,
estou até vendo a cena:
se no domingo chover?

Professora - E o trabalho que eu passei?
Era bem fácil, eu sei,
você sabe calcular.
Era divisão por três,
porquê que você não fez,
faça o favor de esplicar.

Geremias - Naria e duas irmãs
tinham dezoito maçãs,
quantas pode ela comer?
Eu não entro nessa briga,
não quero ter inimiga,
não preciso me meter.

Professora - Você que é brasileiro
deste chão hospitaleiro,
terra de belezas mil.
deste país tão querido,
responda então, seu sabido,
quem descobriu o Brasil?

Geremias - Nascí levando palmada
mesmo sem saber de nada,
eu não nascí porquê quiz.
Não quero saber de enguiço,
não tenho nada com isso,
é problema do país.

Professora - Você não tem mesmo jeito,
não é um burro perfeito
por que não há perfeição.
Mas o que mais o incrimina
é que você raciocina
para fugir da lição.

Coro - Passa um dia, outro dia,
você não faz a lição,
mostre o-cu-pa-ção Geremias,
mostre ocupação.

Narrador - Quando tinha quinze anos
tevegrande desengano
com alguns dos coleguinhas
ao topar a brincadeira
de assaltar a goiabeira
do quintal de uma vizinha.

Geremias - Depois de tanto trabalho
arrebentou o meu galho,
quase que eu quebrei a bunda.
A minha calça rasgou,
cachorrada me pegou,
inda levei uma tunda.

Os meus colegas correram,
todas goiabas comeram,
e encheram a barriga,
e eu, depois desse troço,
não vi siquer o caroço,
fiquei até com lombriga.

Narrador - Ficou moço de repente,
era bonito, atraente,
não tinha vício nem nada,
mas por temer a paixão,
talvez por indecisão
não arrumou namorada.

Geremias - A Luiza me dá bola,
ela me seca na escola,
mas é saída demais.
Com todo mundo ela fala,
e se acaso eu namorá-la
serei passado pra trás.

Gosto mesmo é da Ritinha,
ela é tão calma e quietinha,
seria meu grande bem.
Mas como falar com ela
se ela não me dá trela,
não conversa com ninguém?

O amor é grande bobagem,
nã traz nenhuma vantagem,
é risco de traição.
Para nunca ser traído,
para não ser esquecido,
uso a minha própria mão.

Narrador - Geremias, vou dizer,
nem trabalho nem prazer
desperta a tua vontade!
Porém com tal decisão
pelo menos suas mãos
tem alguma utilidade.

Coro - O amor traz alegria
para o coração,
dê o - cu- pa-ção, Geremias,
para a sua mão.

Narrador - Mas um dia aconteceu,
e eis que lhe apareceu
em sua vida pacata
uma loira exuberante
com seu corpo rebolante,
ai que escândalo de gata!

Além disso ela lhe fez
vencer sua timidês,
lhe dando muita atenção.
Só na hora do "vamos ver"
ele pode perceber
que Maria era João.

Geremias - Eta, que enguiço danado,
eu sou mesmo azarado,
haja santa paciência!
Que grande decepção
ao botar a minha mão
e achar a diferença.

Narrador - Você ainda é criança,
e deve encher de esperança
sua vida tão pequena,
Geremias - Esperar às vezes cansa,
e quando a mão não alcança
esperar não paga a pena!

Narrador - A roda do tempo corre,
ano nasce, ano morre
com acertos e enganos,
e na sucessão dos dias
nosso amigo geremias
completou dezoito anos.

Geremias - Agora está como quero,
não quero mais lero-lero,
a ninguém mais obedeço.
Eu já sou maior de idade,
dono da minha vontade,
agora cresço e apareço.

Se a professora me amola
já posso sair da escola,
já posso fazer bobagem.
Eu já posso, sen problena
entrar em qualquer cinema
ver filme de sacanagem.

Trabalhar eu não trabalho,
não vou ficar dando malho
para o patrão me esplorar.
Essa é a minha atitude,
na força da juventude
eu quero voar, voar...

Depois dos dezoito anos
cada um faz os seus planos,
cada um faz o que pode.
Ninguém mais me incomoda,
vou comprar roupa da moda,
vou deixar crescer bigode.

Mas nem tudo é brincadeira,
vou ter que jurar bandeira,
vou ter que virar recruta,
tirar título, votar,
quando a eleição chegar,
em qualquer filho da justa.

Vou esquentar a cabeça
embora ninguém mereça
a minha aprovação plena.
Que responsabilidade,
eu tenho tão pouca idade,
ser maior não paga a pena.

Já estou sentindo saudade
de ser um menor de idade,
queria nascer de novo.
Queria ser um pintinho
para ficar bem quietinho
demtro da casca do ovo.

Narrador - Chega de tanto lamento,
cara, chegou o momento
de você ficar ativo.
procure seu eu profundo,
procure seu novo mundo,
não seja tão negativo.

Geremias - Me desculpe, amigo velho,
agradeço o teu conselho,
mas ele não traz vitória.
Eu nascí para sofrer,
minha sina é só perder,
escute só minha história.

Nascí numa sexta-feira
caí de uma goiabeira,
namorei um lobisomem.
Não quero ter namorada,
não como mais goiabada,
prefiro morrer de fome.

Narrador - Mas o mundo vai girando
e não fica escutando
toda essa lamentação.
O tempo ninguém segura,
chegou a idade madura,
a idade da razão.

Geremias - Ah, juventude perdida,
qual é a razão desta vida,
ah, como sou infeliz!
Tanta coisa quiz fazer,
eu quiz lutar e vencer,
mas o destino não quiz.

Narrador - Você quiz mas não tentou,
a preguiça não deixou,
o destino paga o pato?
Você não é deficiente,
não foi garoto carente,
você não passa de um chato.

Gerenias - Não é como você pensa,
e se tiver paciência
vou esplicar o meu mal.
Eu penso desde menino,
pois afinal meu destino
é de animal racional.

Eu penso, logo existo,
e isso gera conflito
e me deixa inconformado.
Sou um animal pensante,
será que este viajante
desceu num planeta errado?

Narrador - Ah, entendí seu negócio,
só não entendo seu ócio,
porquê pensar não é tudo.
Vamos, amigo, escreva,
pegue um papel e se atreva
a mostrar seu conteúdo.

Quem tem o dom de pensar
tem o dever de mostrar
ao mundo seu pensamento.
Geremias Gemebundo,
seja um grande vagabundo
e pare com seus lamentos.

Geremias - Olha, cara, me cansei
de tanto que eu espliquei
e você não me entende.
Pensamento não se escreve,
no mundo do "haver e dweve"
filosofia não vende.

Narrador - Vende sim, meu camarada,
você não entende nada,
nem mesmo o que você diz.
Mostrando seus pensamentos
você troca seus lamentos
pelo dom de ser feliz.

Geremias - Não paga a pena escrever
pois sei que ninguém vai ler
os meus pensamentos tortos.
Eu só posso acreditar
que alguém por mim vai resar
depois que eu estiver morto.

Narrador - Geremias Gemebundo
deixou o seu pobre mundo
como todo mundo deixa.
Só não estava pelado,
levou seu terno surrado,
tristesa, lamento e queixa.

Partiu, se mandou, morreu,
e nada deixou de seu
nessa existência tão breve.
Como última homenagem
eu só deixo esta mensagem:
Que a terra te seja leve.
Castelo Hanssen