sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Muito faz quem não aborrece

No último sábado, dia 23, passei quase o dia inteiro na Casa dos Cordéis, ponto de Cultura situado no Anel Viário, Gopoúva. À tarde houve um sarau, e durante todo dia apareceram pessoas interessadas em conhecer o espaço. É muito agradável permanecer algumas horas naquele aprazível casarão dos Nader. Lá pelas tantas, porém, pouco antes do meio-dia, estacionou num dos canteiros um desses carros de propaganda e lá permaneceu algumas horas, fazendo um estardalhaço dos diabos. Cantarolava um desses jingles chatos que não primam nem pela qualidade poética nem pelo valor musical. Depois aparecia a fala de um cara se apresentando como candidato a vereador e prometendo lutar pela população do bairro. Esportes, saneamento básico, melhor transporte, escolas, saúde, educação e outros lugares comuns eram repetidos pelo candidato, sem o menor esforço de imaginação.
Depois, a mesma voz, usando agora a terceira pessoa, repetia o nome do candidato e citava, seguidamente, uma dezena de milhar. Depois começava tudo de novo, depois outra vez, depois novamente, sem se incomodar com o ouvido de quem, por acaso, passasse por ali. Trabalhadores do Saae que executavam um serviço no local começaram a fazer piadas sobre o tal candidato.
Já tenho meu candidato a prefeito. Ainda não sei em quem votarei para vereador. E não é por falta de opção, como dizem os pessimistas. Ao contrário, conheço pelo menos uma dezena de pessoas sérias e decentes nos mais diversos partidos políticos, nos quais eu sei que meu voto não seria perdido, embora não espere deles nenhum milagre.
Uma coisa é certa: nesse tal candidato (está me dando comichão de falar seu nome) jamais votaria, em hipótese alguma. E tenho a impressão que todas as pessoas que permaneceram no local por algum tempo terão a mesma decisão. O tal candidato parece-me que fez papel de bobo, gastando tempo e dinheiro para deixar o povo bronqueado com ele.
Um amigo meu disse que não vota em candidato que faz barulho pela rua. Talvez ele exagere, pois de alguma forma os candidatos precisam divulgar sua disposição. Um pouquinho de inteligência, porém, não faz mal a ninguém.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Trocando os pés pelo traseiro

Dia desses, eu estava num ponto de ônibus, esperando por alguém. Era um desses pontos de parada completos, instalados por alguma administração pública, não me lembro quando, com banco e tudo mais. E estava intacto. Isso porque grande parte desses pontos já foram depredados por vândalos, essa praga dos dias de hoje. São talvez uma parte mínima da população, se divertem em fazer o mal e causam estragos para toda a gente. Depois, critica-se as administrações públicas pelos grandes problemas urbanos, causados por esses animais não-civilizados.
Ao meu lado, havia um garotão, aparentando uns vinte anos, bem vesitdo, de roupa esportiva, não tendo nada que lembrasse um animal. So que, em vez ´de sentar como as pessoas sensatas fazem, estava com o traseiro no encosto e os pés no lugar onde se costuma colocar a parte mais caluda do corpo. Tive ímpeto de perguntar-lhe porque fazia isso, e como ele se sentava em sua casa, à mesa das refeições. Me contive, para evitar uma resposta atravessada e para não parecer um velho rabujento. Esse jeito de sentar-se é uma das manias entre jovens e adolescentes de ambos os sexos, e até com alguns adultos. Será que essa gente não sabe qual é o lugar dos pés e qual é o lugar do traseiro. Talvez a alegação é que os outros fazem isso e eles têm medo de sujar sua calça. Mas de onde partiu essa mania? É a velha história da galinha e dos ovos: quem nasceu primeiro?
O piso do ponto é mais elevado do que o da calçada normal, outra boa iniciativa da administração municipal, para que as pessoas notadamente idosos e doentes, não tenham que fazer muito esforço para embarcar. mas não há um só motorista que encoste seu veículo nesse piso. As pessoas têm que descer até o nível da rua e depois levantar as pernas para levantar. Aí parece uma condição corporativa. Por que será que acontecem essas coisas?
Cidadania é a palavra da moda. É explicada nas escolas, em campanhas educativas e aborda uma série de coisas particulares que prejudicam a todos. Jogar lixo no chão, jogar ponta de cigarro em qualquer lugar, sujar rios e córregos, pixar muros e paredes, enfim, uma série de coisas que todo mundo já sabe que não deve fazer. Mas essa dos pontos de ônibus parece que ainda não foi abordada por ninguém.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Uma roupa cara que não cai bem

Que me perdoe a alma de Ulisses Guimarães, um raro estadista num país de tantos politiqueiros. Mas a sua obra-prima, a Constituição Cidadã, que ele alinhavou com tanto esmero, ficou bonita, bem costurada mas não cai bem no corpo (e na alma) do cliente, ou seja, do Brasil. Não quero com isso diminuir o país onde nasci, em que vivo e ao qual quero bem, mas somos latino-americanos e mestiços, não escandinavos. Não que sejamos piores que os suecos, dinamarqueses e noruegueses. Em alguns pontos, somos até melhores do que eles, pois somos alegres, não temos racismo nem preconceito contra imigrantes. Em compensação, somos rebeldes, indisciplinados, folgados, loucos para dar um jeitinho e levar vantagem em tudo. Isso pode ser um defeito ou uma qualidade, dependendo do ângulo que se olhe.
A Constituição de 1988 seria ótima para povos mais organizados e disciplinados. Para países de Primeiro Mundo, se considerarmos essa classificação em termos de cultura, educação e civilização, e não de poderio bélico e econômico, como os Estados Unidos. Depois de vinte anos de jejum, a população pensante do país estava sequiosa de cidadania, de direitos humanos e outros direitos. os constituintes capricharam e erraram na dose. O resultado é que temos direitos demais, principalmente para os humanos que não são direitos. O grosso da população, coitado, não tem nem direito de ficar sozinho na porta de sua casa, ou de ir até a esquina sem medo de ser assaltado. Políticos e empresários corruptos, criminosos organizados ou não, de colarinho branco ou sem colarinho, conhecem de cor e salteado todas as leis e sabem aproveitá-las para se livrar do castigo merecido. Tem-se a triste impressão que a nata da inteligência brasileira está entre corruptos e bandidos.
Um exemplo típico dessa hemorragia de “direitos humanos” (e bota aspas nisso), é o caso recente de um perigoso bandido que teve sua sentença de prisão anulada e foi libertado porque apresentou-se ao julgamento com as mão algemadas, o que contraria o sensível coraçãozinho dos nossos juristas. Não acredito que a Justiça esteja deliberadamente querendo defender bandidos e corruptos. A única explicação para isso, é que além de cega, a coitadinha é burra.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Como nossos edis gastam seu latim

A Câmara Municipal aprovou nesses últimos dias dois projetos de lei visando a alterar o brasão do município, que foi criado em 1932 pelo major Ariovaldo Panades, interventor federal em Guarulhos, imposto pela ditadura de Vargas.
Nessa época, a Câmara Municipal estava fechada e o projeto só foi sancionado em 7 de setembro de 1971. Em 1991, sofreu algumas alterações, propostas pelo bacharel Sílvio Orique Fragoso, diretor de Cultura do município na gestão do prefeito Paschoal Thomeu.
A primeira emenda é do presidente da Casa, Paulo Carvalho, do PR, e propõe a inclusão de mais duas figuras no brasão, que já tem um índio e um português, primeiros habitantes do aldeamento de Nossa Senhora da Conceição de Guarulhos: quer que seja incluído um negro e uma mulher.
O segundo é de Adilson Valente, do PC do B, e quer que o dístico em latim "Vere Pavlistarvm Sangvis Mevs" (em latim o v substitui o u), que significa "Meu Sangue é Verdadeiramente Paulista", seja traduzido para o português. Essa proposta foi rebatida pela Academia Guarulhense de Letras, foro indicado para essas questões.
Os acadêmicos Darci Pannochia, Plínio Tomaz e Ari Badini já se manifestaram e esperam que o prefeito Elói Pietá, professor de História, vete o projeto. O vereador entende que Pavlistarvm significa paulistano, mas Baddini lembra que na época da fundação de Guarulhos não existia o Estado de São Paulo.
Paulista é o nome que se dava aos bandeirantes que moravam em São Paulo de Piratininga, que não era capital de coisa alguma, e não existia a palavra paulistano.
O primeiro projeto passou sem maior celeuma, mas eu, que não entendo de latim e nem de heráldica, acho esquisito, não menosprezando os negros nem as mulheres. Mas será que cabe tanta gente no brasão?
O mais fácil seria colocar-se uma mulher negra, representando a etnia e o sexo esquecido. Se colocarem uma mulher branca terão que colocar também uma mulher negra e uma índia e talvez casais de japoneses, árabes e de outros povos que formam o nossa raça. Mas afinal, isso é um brasão ou uma lotação?

A divina novela por linhas tortas

Na minha opinião, um dos personagens mais marcantes da teledramaturgia brasileira é Sassá Mutema, da novela "O Salvador da Pátria", de Dias Gomes, na TV Globo. É interpretado pelo grande ator Lima Duarte, especialista nesse tipo de papel.
Protótipo do matuto mineiro, da região mais seca e pobre do estado, é analfabeto e ingênuo, mas dono de uma grande filosofia, aprendida em sua vida difícil, provocada mais pelos políticos corruptos de sua região do que pela natureza. Uma professora abnegada ensina-o a ler e a escrever, dá-lhe noções de cidadania e ele se torna líder de sua gente e acaba se elegendo prefeito. O poder sobe-lhe à cabeça, envolve-se com traficantes e faz mil e uma trapalhadas.A vida às vezes imita a arte, mas de forma imperfeita.
No Brasil de hoje, na vida real, temos um exemplo disso. Um cidadão nascido no paupérrimo sertão de Pernambuco imigrou para São Paulo, exerceu várias profissões humildes, empregou-se numa grande metalúrgica e se transformou num grande líder sindical. Ao lado de destacados membros da intelectualidade nacional, teve papel preponderante na redemocratização do país.Fundou um partido político, meteram-lhe na cabeça que deveria ser presidente da República e ele gostou da idéia. Não quis começar por baixo, aprendendo aos poucos a cozinhar esse indigesto sarapatel que é a política. Tinha pressa de salvar a pátria e acabou se elegendo e reelegendo.
Não diria que se envolveu com o tráfico, mas foi envolvido pelos trezentos picaretas que há décadas sugam o Brasil, imunes a qualquer transformação política. Teve de fazer o jogo deles e fazer-lhes muitos agrados às custas da pátria. Esqueceu-se de seus propósitos, mas não esqueceu o discurso. Sente-se realizado à luz dos holofotes e com os índices do Ibope, que lhe dão a doce ilusão de que alguma coisa está dando certo.
Novelas sempre têm final feliz. Sassá Mutema livrou-se dos seus problemas, regenerou-se e conseguiu desempenhar o papel de salvador da pátria. Pena que a História não é escrita por Dias Gomes.

A mão que faz e toca uma viola

Saraus lítero-musicais estão acontecendo em várias partes de São Paulo, numa verdadeira reação contra o que parece ser a robotização do ser humano nesta era tecnológica. Poetas, músicos e cantadores desconhecidos surgem a todo momento, mostrando que a arte está viva é é essencial neste planeta.
Guarulhos pode ter sido a pioneira neste trabalho, pois há quase quarenta anos acontece, mensalmente, o Recital Aberto de Poesia, na biblioteca Monteiro Lobato. Hoje, acontecem também saraus mensais no IPC, na Casa dos Cordéis e no Johrei, da Igreja Messiânica Mundial de Guarulhos, além de outros eventuais e esporádicos, em templos e associações diversas. Nesses eventos, atualmente, há mais músicos do que poetas.
José Barbosa da Silva, ou simplesmente Barbosa, é uma das figuras indispensáveis nesse reduto. Ele executa no violão peças clássicas do cancioneiro popular brasileiro e internacional e, na viola, o melhor da música regional daqui do sudeste, também chamada música caipira. Nascido em 1948, em Tupi Paulista, na região da Alta Paulista, perto de Dracena, veio para Guarulhos em1980, estudou violão clássico e harmônica, e aprendeu sozinho a tocar viola, influência da gente do interior.
Marceneiro de profissão, trabalhou em importantes fábricas de móveis de estilo. Mas, um dia, decidiu ser seu próprio patrão e fazer o que mais gosta. Agora, fabrica artesanalmente, em sua casa, violas e violões, que levam o selo Barbosa, e tem uma boa clientela de músicos caprichosos, que gostam de ter seu instrumento ao seu gosto.
Existem vários fabricantes pequenos de instrumentos musicais, em contraste com as grandes indústrias internacionais. Estes diferem daqueles pela forma caprichosa com que fazem seus instrumentos, ao gosto do freguês exigente, na acústica e na aparência. Quem produz instrumentos de corda é chamado de luthier.
Barbosinha afirma que faz cerca de quatro a cinco instrumentos por mês e tem como principal cliente a Orquestra Paulistana de Violas. Ele está preparando uma palestra musicada, que realizará brevemente na Casa dos Cordéis.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Reza profana para um homem bom

Hoje vou contar a história de um homem bom. Bom demais para ser verdade. Um homem que acreditava na igualdade entre as pessoas, se revoltava contra as injustiças e vivia todas essas coisas que os poetas, os filósofos e os políticos usam em seus discursos. Realmente não gostava de dinheiro. Era funcionário público federal concursado, ganhava bem, e se desgostava com isso. Ao receber o pagamento, ficava pensando naqueles que trabalham muito e ganham muito. Ao receber uma promoção, ficou chateado, e não aceitou o cargo que lhe ofereceram numa cidadezinha do interior, com a qual nós, seus filhos, sonhávamos acordados. O Estado lhe daria uma casa, e ele não achava isso justo.
Era um homem sisudo, as vezes rabujento, porque gostava das coisas certas. Ficava mal-humorado com freqüência, por qualquer coisa que o revoltasse, e quando chegava em casa de cara fechada, acabava-se a brincadeira das crianças. Eu perdia a inspiração para contar histórias a mim mesmo, uma mania que herdei dele.
Confesso que as vezes tinha medo dele, as vezes me revoltava, embora, felizmente, guardasse para mim a revolta. Nunca fui mal-criado, e isso salva a minha consciência. Um dia fui embora de casa e, então, parece que a minha amizade com ele se solidificou. Nos últimos dias de sua vida, esclerosado, preso a uma cama de hospital, esperava que eu, como jornalista, fosse libertá-lo. E eu, doce mentiroso, prometia que sim. Dava-lhe cigarros, escondido de minha mãe, severa guardiã de sua saúde. Se não havia recuperação, porque privá-lo do prazer? Não sei se errei, mas foi uma tentativa de generosidade da minha parte que espero que me compense pelas vezes em que me aborreci com ele.
Não sou religioso mas creio nas coisas boas que todas religiões têm. Não sei, se ao morrer, nossas almas descansam eternamente na luz ou nas trevas, conforme nossa vida pregressa, como querem os católicos; ou se voltam para nova vida, como querem os espíritas. Aonde quer que ele esteja, porém, espero que entenda minha admiração por ele, e me perdoe por não tê-lo compreendido.